A Comissão de Homenagem aos Democratas do Distrito de Braga homenageia no próximo dia 06 de novembro, pelas 17h30, o primeiro Governador Civil do Distrito de Braga após o 25 de Abril, José Sampaio, com uma exposição alusiva à sua vida e obra, no Palácio do Raio.
José Araújo Pereira Sampaio morreu, em Abril passado, aos 94 anos, vítima de doença.
BIOGRAFIA
José de Araújo Pereira Sampaio nasceu a 10 de Junho de 1929, na freguesia de S. João do Souto, em Braga. Advogado por vocação, licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra.
Aos 16 anos de idade, conheceu Francisco Salgado Zenha e daí nasceu o seu interesse pela política. Quando estava na Universidade de Coimbra a estudar direito criou, com mais 12 colegas, a Real República dos Paxás. Esta foi uma das repúblicas mais importantes de Coimbra, sendo ainda hoje reconhecida na comunidade académica.
Opositor da ditadura, lutava contra o regime da forma que conseguia, fosse a defender aqueles que eram presos por se oporem, ou quando se juntou a um partido anti-regime. Desde sempre se identificou como politicamente de esquerda, mas nunca se quis associar a nenhum partido, até à criação da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), mais tarde designado Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE), partido este fundado em 1969, actuando através de comissões democráticas eleitorais, para concorrer às eleições legislativas.
“O PIOR QUE HAVIA”
Foi por este mesmo partido que interveio nos Congressos de Aveiro em 1969 e 1973. Do CDE faziam parte figuras ilustres, como o antigo Presidente da República Jorge Sampaio, Mário Sottomayor Cardia ou Francisco Pereira de Moura, este último cabeça de lista do partido nas eleições legislativas de 1969. José Sampaio era candidato a deputado pelo CDE nesta altura e relembra que tiveram “esperança de restabelecer a democracia”.
José Sampaio descreve a política antes do 25 de Abril como “do pior que havia”, com inspirações no franquismo e no nazismo. As pessoas passavam muitas dificuldades de sobrevivência, não tinham liberdade de pensamento, de expressão nem de manifestação e havia ainda uma guerra colonial a decorrer. Acrescenta ainda que o clima político e social do país era péssimo, com muita fome, muita exploração e acima de tudo fingimento. As pessoas muitas vezes tinham que fingir concordância com o governo ou abster-se de expressar críticas, por medo de retaliação, como perda de emprego, detenção ou até mesmo violência física.
Em Braga era bem visível o clima de medo em que as pessoas viviam, estas tinham medo de se revoltar e os principais opositores ao regime acabavam por ser os advogados, que na sua maioria eram de esquerda e faziam frente defendendo os presos políticos. Antes do 25 de Abril de 1974, houve várias tentativas de derrubar o regime ditatorial do Estado Novo em Portugal.
Algumas dessas tentativas foram feitas por grupos de oposição política, enquanto outras ocorreram dentro das próprias forças armadas portuguesas, descontentes com o rumo do regime. Essas tentativas de derrubar o regime antes do 25 de Abril de 1974, embora não tenham sido bem-sucedidas, criaram um contexto de instabilidade e descontentamento que culminou na Revolução dos Cravos, marcando o fim do Estado Novo e o início de uma nova era democrática em Portugal.
“25 ABRIL 1974, UM DIA LINDÍSSIMO”
Antes do 25 de Abril de 1974, José Sampaio foi Presidente da Delegação da Ordem dos Advogados de Braga, entre 1972 e 1974. Aquando da revolução, estava no seu escritório a trabalhar e de imediato percebeu que desta vez a revolução podia de facto trazer a mudança positiva que tanto o país precisava.
Pouco passava das 19 horas, quando várias personalidades de Braga, entre elas José Sampaio, se reuniram nas varandas da Praça da Câmara Municipal. Nas varandas principais da própria Câmara estavam representantes das forças armadas locais, o coronel António da Conceição Marcelino e o capitão Soares Leite, juntamento com Victor Sá.
Para José Sampaio, nesta mesma noite, Victor Sá fez um emocionante discurso, onde expressou o seu reconhecimento às forças armadas e a todos os portugueses pelo tão esperado dia da Liberdade ter finalmente chegado a Portugal.
Para José Sampaio o dia da revolução “foi um dia lindíssimo para a história do país, não há outro igual”, esse dia faz este ano 50 anos.
A CHAMADA TELEFÓNICA…
José Sampaio foi o Primeiro Governador Civil de Braga depois do 25 de Abril, começou a exercer este cargo no último dia de Setembro de 1974, cargo este que manteve até 18 de Outubro de 1975.
Ainda hoje se lembra do dia em que recebeu uma chamada do Ministro da Administração Interna, o Coronel Costa Brás a pedir que fosse a Lisboa, daí veio o convite para ficar à frente do Governo Civil de Braga, cidade que estava sem governador desde o dia da revolução. A sua indigitação teve o apoio da maioria das forças políticas da cidade de Braga.
Não obstante, na véspera da tomada de posse, alguns representantes das então chamadas “forças revolucionárias” foram a Lisboa, manifestando ao Coronel Costa Brás a sua preocupação pelo facto de José Sampaio ser considerado um “moderado”, o que Ministro da Administração Interna ignorou. O convite era para apenas três meses, mas José Sampaio ficou no cargo por mais de um ano. Após o 25 de Abril de 1974, o papel de um governador civil em Portugal foi significativamente alterado.
O GOVERNADOR PÓS REVOLUÇÃO
Após a Revolução e a subsequente transição para a democracia, o papel dos governadores civis foi reformulado para reflectir os princípios democráticos. Eles passaram a ser responsáveis pela coordenação das políticas governamentais a nível local, pela promoção da descentralização administrativa e pela cooperação com as autoridades locais eleitas. Além disso, desempenharam um papel importante na garantia da ordem pública e na coordenação de medidas de segurança civil.
Os governadores civis tornaram-se também representantes do governo central nas regiões, facilitando a comunicação entre o governo nacional e as autoridades locais. Eles trabalharam para promover o desenvolvimento económico e social das suas regiões, bem como para resolver questões e conflitos locais. Em suma, o papel dos governadores civis após o 25 de Abril foi transformado de agentes do regime autoritário para representantes do Estado democrático, focados na promoção do bem-estar e na gestão eficiente das regiões sob a sua jurisdição
PRIMEIRAS ELEIÇÕES LIVRES
Nas primeiras eleições livres, a 25 de Abril de 1975, apoiou o MDP/CDE. José Sampaio descreve este dia como crítico para o partido, que recebeu pouco mais de 4% dos votos, resultado que desiludiu todos os militantes e apoiantes. No entanto, realça que foi um dia histórico para o país, pois foram as primeiras eleições livres e a população aderiu em peso. Nestas eleições assistimos à primeira vitória dos socialistas e, como tal, estes foram festejar no final da noite, já os apoiantes do MDP/CDE tinham perdido e não conseguiam esconder a desilusão.
Com o fim do MDP/CDE, aproximou-se do Partido Socialista, partido com o qual simpatizava e partilhava ideais.
José Sampaio foi ainda mandatário distrital da candidatura presidencial de Francisco Salgado Zenha e deputado à Assembleia Municipal de Braga, nas duas primeiras legislaturas. Durante a candidatura de Salgado Zenha, José Sampaio manteve-se ao lado do amigo de longa data e percorreram o norte do país juntos a fazer campanha eleitoral. Com Salgado Zenha afastado da vida política, também José Sampaio se retirou, passando a ser um espectador com voz activa e sempre por dentro dos assuntos da actualidade.
Não obstante, veio a ser igualmente mandatário distrital da candidatura presidencial de Jorge Sampaio, o que muito o honrou pelo apreço e admiração que sempre lhe mereceram.
Em 2005, foi-lhe feita uma homenagem pelos 50 anos de carreira, e continuou a trabalhar até aos seus 80 anos de idade. José Sampaio acrescenta que entende que a profissão de advogado é necessária para defender aqueles que menos têm e que o impressiona o facto de continuar a haver tantas discrepâncias económicas, haver tanta pobreza num país com tanta riqueza.
O 25 de Abril trouxe a liberdade, acabou com a guerra colonial, com a ditadura, mas ainda há muito para ser feito, muitos valores de Abril ainda não estão enraizados na nossa sociedade e é necessário que o trabalho desenvolvido durante estes 50 anos, por homens e mulheres que tanto lutaram para termos aquilo que temos hoje, não caia por terra, para dar lugar a novos ditadores e à perda da liberdade como a conhecemos”.