Os cuidados paliativos são um componente importante da resposta clínica a pandemias e outras emergências em saúde. Os princípios dos cuidados paliativos não se alteraram, mas a prática destes precisa de mudar em consequência de fatores como o de maior solicitação e medidas de controlo de infeção.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018) declarou que as respostas humanitárias às emergências e crises devem incluir os cuidados paliativos e o controlo de sintomatologia. Além disso, afirmou que “as respostas que não incluem cuidados paliativos são clinicamente deficientes e eticamente injustificáveis”.
Torna-se importante recordar que OMS define cuidados paliativos como “os cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, mas nomeadamente a dor, problemas psicológicos, sociais e espirituais.”
A pandemia causada pelo COVID-19 tem estado presente na vida de todos, desde indivíduos saudáveis, indivíduos crónicos, doentes terminais, familiares e profissionais de saúde, tendo-se difundido não só enquanto infeção, mas também, pelo medo e pânico que causa.
A presença e ação dos cuidados paliativos mantém-se como sendo imprescindível, não só à população que habitualmente serve os mais fragilizados em termos de saúde, que parecem apresentar um elevado risco de desenvolver a infeção a COVID-19, nomeadamente nas suas formas mais graves, mas também à população rapidamente crescente de novas pessoas infetadas e que poderão beneficiar de cuidados paliativos em contexto crítico – uma área em que os cuidados paliativos não podem nunca ficar esquecidos.
A intervenção dos cuidados paliativos também se mantém como fundamental no apoio às famílias que cuidam, nesta fase tão sobressaltadas, pelo risco que os seus entes queridos correm, pela possibilidade de um acesso mais limitado aos cuidados de saúde e, nas situações de infeção estabelecida, por poderem ser privados de acompanhar presencialmente os seus familiares doentes.
A presença e ação dos cuidados paliativos mostra-se ainda fundamental no suporte a prestar aos profissionais de saúde, em risco declarado de sobrecarga e de esgotamento da sua capacidade de cuidar e de o poderem fazer em segurança.
Em tempos ‘normais’, a maioria dos cuidados paliativos é realizada por profissionais não especializados (em cuidados paliativos ), o que se agrava em tempos de pandemias o suporte direcionado para doentes e familiares.
No entanto, aplicar os princípios dos cuidados paliativos em tais momentos é extremamente desafiador, particularmente no contexto de medidas rígidas de controlo de infeção e com os profissionais de saúde em contextos de trabalho extremamente rigorosos e desgastantes. Estes cuidados especializados são um recurso finito e durante as pandemias é importante que sejam aplicados de forma adequada e racionada para gerir os cuidados prestados aos doentes pandémicos e não pandémicos.
O princípio ético orientador do tratamento de doentes durante as fases pandémicas e outras emergências de saúde é que todos são igualmente importantes, embora não signifique que todos sejam tratados da mesma forma. A planificação e execução deve ser revista e sistematicamente ajustada. Assim, este deve ser um processo contínuo, uma vez que a situação clínica se alterará à medida que a pandemia progride, trazendo como consequências adjuvantes o isolamento, a doença, a fadiga física, a fadiga psicológica/esgotamento e a escassez de medicamentos, equipamentos e consumíveis (equipamento de proteção individual, solução alcoólica, opioides, etc.).
Precisamos antecipar os problemas pós-pandemia de COVID-19. Além disso, precisamos nos antecipar aos problemas decorrentes do cancelamento, adiamento ou modificação do tratamento dado a outros grupos de doentes durante este período. Na verdade, uma estratégia nacional deveria ser desenvolvida para gerir o potencial ‘cenário de iceberg’ da atual pandemia.
Texto: Catarina Pinto Cruz
Enfermeira
Pós-Graduada em Enfermagem de Cuidados Paliativos
Bibliografia
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World Health Organization. (2018). Integrating palliative care and symptom relief into responses to humanitarian emergencies and crises: a WHO guide. World Health Organization. Acedido em 24 de janeiro 2021, em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/274565.
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