O caso que se conta ocorreu na Galiza, mas poderia ter sido em Portugal. Por cá, segundo dados da Autoridade para as Condições do Trabalho, as queixas por assédio moral e sexual atingiram em 2023 o valor mais alto dos últimos cinco anos, cerca de 230 por mês. Pior: Dois em cada dez trabalhadores dizem ter tido conhecimento no último ano, de casos de abuso de autoridade, ‘bullying’ e assédio, mas não os reportaram por acreditar não haver consequências ou por medo de retaliações, revela um estudo da Católica.
O jornal La Voz de Galicia conta.
O QUE ACONTECEU
Em Melide, Corunha, na Galiza, uma mulher foi despedida da loja onde trabalhava por carta que a informava que o motivo da medida era a “redução voluntária do seu desempenho normal no trabalho”.
A trabalhadora recorreu à justiça.
Ficou provado em primeira instância que o dono da loja e a empregada conversavam muitas vezes no WhatsApp fora do horário e ainda no horário de trabalho. Também tomavam café juntos regularmente, saíam para comer, faziam viagens de negócios juntos a Barcelona e Portugal e que o responsável da loja dava presentes a ela e aos filhos.
Essa boa relação foi interrompida nos dias anteriores ao seu despedimento, quando ambos tiveram uma conversa telefónica de mais de 45 minutos, cuja gravação foi apresentada como prova e na qual o homem utilizou expressões para com a sua subordinada como “nojenta”, ” canalha”, “má gente”, “mente suja” e que comia “com uma cadela”.
Na gravação ouve-se a funcionária a repreender o chefe por chamá-la de “palhaça” e “filha da puta”, enquanto ela a culpava por permitir “presentes e convites, além da falta de ajuda com impressora”.
Essa conversa terminou com o gerente da loja anunciando que iria demiti-la. Então, a trabalhadora dirigiu-se ao centro de saúde devido a um estado de ansiedade e depois iniciou um processo de incapacidade temporária com consultas na unidade de psicologia da loja.
A JUSTIÇA DECIDE
A Justiça do Trabalho galega deu provimento à reclamação apresentada pela empregada, declarando a demissão sem justa causa. Teria ainda que receber uma indemnização de mil euros por danos resultantes de atentado à sua dignidade pessoal.
Contudo, a vendedora recorreu para ao Tribunal Superior de Justiça da Galiza porque considerou que o despedimento deveria ser declarado nulo e sem efeito, não injusto, e porque exigiu uma indemnização adicional de 12 mil euros por violação de direitos fundamentais.
Ora, o tribunal superior galego deu provimento parcial aos argumentos da mulher, por considerar que o patrão da trabalhadora violou a sua dignidade e integridade moral, embora baixe a indemnização que pediu para 7.501 euros.
A decisão descreve a causa do despedimento como “puramente genérica”, “uma vez que não foi constatada nenhuma conduta por parte do trabalhador que pudesse dar a menor plausibilidade a tão vazia acusação”, acrescenta.
Além disso, o tribunal considera que houve violação do direito fundamental à dignidade e à integridade moral porque, embora a denunciante e o proprietário da empresa mantivessem uma “relação pessoal que ia além da estritamente laboral” o despedimento “ocorre no âmbito de uma conduta do empregador, no âmbito da relação laboral, constituída por expressões dirigidas ao trabalhador” que os magistrados consideram suficientemente ofensivas “para dar origem a um resultado “prejudicial” que causou dano e sofrimento psíquico à mulher, bem como “irrigar, humilhar ou rebaixar”.
A justiça galega decidiu que o dono da loja deve reintegrar a funcionária, pagar-lhe mais de 23 mil euros de salários não pagos e indemnizá-la com 7.500 euros
O jornal La Voz de Galicia explica que a decisão ainda não é definitiva, porque ainda há lugar a recurso.
Por Fernando Gualtieri (CP7889)
Foto César Quian