A activista iraniana Narges Mohammadi, presa no Irão, apelou este domingo ao apoio internacional para pôr fim ao regime iraniano ao receber o Prémio Nobel da Paz na Câmara Municipal de Oslo através dos filhos.
A activista escreveu o discurso a partir da prisão de Evin, em Teerão, que foi lido em Oslo por Kiana e Ali Rahmani, os filhos gémeos de 17 anos, que vivem no exílio em França desde 2015.
Vestidos de negro, leram em francês o discurso que a mãe conseguiu transmitir por telemóvel, segundo a agência francesa AFP.
Na sua ausência, uma cadeira ficou simbolicamente vazia, com um retrato da galardoada.
“Os jovens iranianos transformaram hoje as ruas e os espaços públicos num cenário de resistência civil generalizada”, disse Mohammadi, num discurso lido pelos filhos, citado pela agência espanhola EFE.
“Sou uma mulher do Médio Oriente, de uma região que, apesar de ser herdeira de uma civilização rica, está actualmente presa na guerra e nas chamas do terrorismo e do extremismo”, afirmou.
“Sou uma mulher iraniana que tem orgulho e honra em contribuir para esta civilização, uma mulher que hoje é vítima da opressão de um regime religioso tirânico e misógino”, disse.
CONTRA IMPOSIÇÃO DE VÉU
Várias vezes detida e condenada nas últimas décadas, Mohammadi é um dos principais rostos da revolta ‘Mulheres, Vida, Liberdade’ no Irão.
O movimento, em que as mulheres tiraram o véu, cortaram o cabelo e se manifestaram nas ruas, foi desencadeado pela morte, em 2022, da jovem curda iraniana Mahsa Amini.
A morte da jovem de 22 anos ocorreu depois de ter sido detida em Teerão por não ter respeitado o rigoroso código de vestuário islâmico.
A família de Mahsa Amini foi impedida de viajar no fim de semana para França para receber o Prémio Sakharov com que foi distinguida pelo Parlamento Europeu.
“O ‘hijab’ obrigatório imposto pelo governo não é nem uma obrigação religiosa nem um modelo cultural, mas sim um meio de controlar e subjugar toda a sociedade”, disse Mohammadi no discurso lido pelos filhos.
A activista descreveu a exigência do uso do véu que cobre a cabeça e o pescoço pelas mulheres iranianas como uma “vergonha para o Governo”.
Na mensagem escrita “atrás dos muros altos e frios de uma prisão” e lida perante a família real norueguesa, considerou que o regime do Irão está actualmente “no nível mais baixo de legitimidade e apoio popular”.
Defendeu que “a resistência está viva e a luta perdura”, pelo que se manifestou confiante de que “a luz da liberdade e da justiça brilhará intensamente na terra do Irão”.
Opositora do uso obrigatório do ‘hijab’ e da pena de morte no Irão, Mohammadi está detida desde 2021 na prisão e não pôde receber pessoalmente o prestigiado prémio.
Mohammadi anunciou que iria iniciar este domingo uma nova greve de fome para mostrar solidariedade com a perseguição da minoria religiosa Baha’i no Irão.
Narges Mohammadi, 51 anos, foi galardoada com o Prémio Nobel da Paz de 2023 em Outubro pelas décadas de activismo, apesar das numerosas detenções pelas autoridades iranianas e de ter passado anos atrás das grades.
Nos mais de cem anos de história do Prémio Nobel, Mohammadi é a quinta vencedora a receber o prémio da paz enquanto estava detida, depois do alemão Carl von Ossietzky, da birmanesa Aung San Suu Kyi, do chinês Liu Xiaobo e do bielorrusso Ales Beliatski.
“A luta de Narges Mohammadi pode ser comparada (…) à de Albert Lutuli, Desmond Tutu e Nelson Mandela (todos eles também galardoados com o Prémio Nobel), que durou mais de 30 anos até ao fim do regime de ‘apartheid’ na África do Sul”, disse a presidente do Comité Nobel, Berit Reiss-Andersen.
Com EFE e Porto Canal
Foto AFP