Opinião de Jéssica Sousa
As formas de agressão contra a mulher são complexas, perversas e têm graves consequências para a mesma. Qualquer uma delas apresenta um grande problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos, que deve ser denunciada e devidamente punida.
No ano de 2020, segundo dados do Relatório Final da UMAR, foram 35 as mulheres assassinadas. Contabilizaram-se ainda 57 tentativas de assassinato, 50 delas tentativas de feminicídio(assassinato de mulheres por motivos de género).
Importante é referir as vítimas silenciosas, que não entram nestes dados, uma vez que nunca chegam a denunciar a violência e tentativas de assassinado a que são sujeitas.
Um olhar especializado e aprofundado sobre o feminicídio e sua tentativa são essenciais para a identificação de políticas para a sua prevenção.
A culpabilização da vítima que não denuncia e sofre em silêncio prevalece sobre a responsabilidade do que verdadeiramente contribui para que esta triste realidade seja, ainda hoje, tão recorrente.
A vitimização secundária é um dos principais fatores que contribui para este facto, tratando-se de uma forma de vitimização usualmente causada pelas instâncias formais detentoras de poder e controlo. Este tipo de vitimização é despoletada pelo tipo de resposta que é providenciada à vítima denunciadora do crime. Num exemplo mais prático, no caso de uma vítima de abuso sexual, esta vê-se obrigada a relatar várias vezes os factos, estando obrigada a reviver toda a situação repetidamente. Como se já não bastasse, qualquer discrepância no discurso é encarada como mentira, sendo plenamente normal o surgimento das mesmas, uma vez que faz parte do processo de superação. A vítima é ainda obrigada a encarar o agressor e a defender-se em tribunal, caso o processo chegue a esta instância, uma vez que grande parte dos casos são arquivados, contra inúmeros discursos difamadores e culpabilizantes da mulher, entre muitos outros fatores invocados como desculpa para o ato do abusador, não sendo, de maneira nenhuma, justificável.
Este é um panorama cultural de uma sociedade capitalista e patriarcal, que legitima, promove e silencia a violência contra a mulher. É necessária ação imediata, criação de políticas de prevenção e sensibilização efetiva, de combate à discriminação salarial e precariedade, aumento salarial e a exigência do direito ao trabalho como condição fulcral à autonomia da mulher, bem como uma maior consciencialização da sociedade relativamente a este assunto, começando desde logo pelos membros de maior poder, como as forças policiais, e um maior apoio à vítima. É imprescindível fazer-se cumprir a legislação.
Uma mulher que não denuncia, uma mulher que se mantém em posição de vítima, que permanece com um parceiro abusador, não é uma mulher que gosta de estar nessa situação, ou uma mulher que talvez mereça tamanha atrocidade. É uma mulher oprimida, insegura, sem fontes de apoio, sem saída. São imensas as vítimas que não saem dos contextos de violência por falta de estabilidade financeira, muitas vezes com filhos para criar. É preciso salvaguardar e proteger estas mulheres, reinserindo-as num ambiente seguro e propício para o seu desenvolvimento e autodeterminação.
Enquanto existir uma mulher vítima deste sistema, a luta pela sua defesa não pode parar.