Caldelas inaugurou, há semanas, o primeiro albergue do Caminho Jacobeu da Geira e dos Arrieiros, que liga Braga a Santiago de Compostela. Nos últimos dias, contudo, nas redes sociais, têm-se levantado algumas questões sobre o itinerário do caminho, em especial por Januário Pinheiro, para quem «é falso que a Estrada da Jeira, alguma vez, tivesse passado por Caldelas».
Texto de opinião na íntegra.
«INAUGURAÇÃO DE ALBERGUE
NÃO PODEMOS IGNORAR
Ou
Como não se deve reconstruir (reinventar) o Caminho de Santiago da Jeira e Arrieiros
No domingo passado, fui surpreendido (“abalroado”) por uma notícia do Correio do Minho, de 20 de outubro de 2019, página 12, com o título: “Caldelas inaugurou albergue de Caminho Geira e Arrieiros”.
Ora, se a Estrada da Jeira nunca passou por Caldelas, como é possível praticar esta insensatez? Vamos por partes.
No ano 80 da nossa era, foi inaugurada pelos Romanos a via mais curta de ligação de Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga), numa extensão de cerca de 318 quilómetros (215 milhas romanas). Reinava, em Roma, o imperador Tito. Deram-lhe o nome de VIA NOVA.
Esta via subsistiu, enquanto durou o Império Romano e, ainda, os reinos Suevo e Visigótico, tendo em vista o comércio de exploração das minas de ouro e doutros minérios, abundantes na altura, e a comunicação entre os povos, que viviam ao longo dela, nomeadamente, a “cidade” de Bisbaia (Caires), no concelho de Amares.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, do reino Suevo, do reino Visigótico e as incursões, a Norte, dos Mouros, esta Via Nova perdeu fulgor e desapareceu em muitos trajetos. É, por isso, que se discute muito o seu traçado, desde Braga até Paredes Secas. Mas, a partir daqui, ela está lá, “vivinha da silva”, para quem a quer olhar e admirar.
Acontece que esta Via Nova, na Idade Média, tomou o nome de Estrada da Jeira, em virtude da sua manutenção ser assegurada pelos moradores que, em contrapartida, não pagavam certos impostos e não eram obrigados a ir para a guerra.
Porém, esta passagem de Via Nova para Estrada da Jeira, porque parte da estrada inicial havia desaparecido, acarretou correções no seu trajeto. Uma dessas grandes mudanças operou-se com a feitura da Ponte do Porto, no século XII, com os rendimentos dos bens que o arcebispo D. Paio Mendes (1118 – 1175) possuía, antes de ser arcebispo.
A Estrada da Jeira passou, então, a fazer-se por esta passagem superior do rio Cávado, havendo uma ligação direta de Amares a Caires e outra, de Amares a Paredes Secas. É por isso, que, ainda hoje, se perguntarmos, às gentes da freguesia de Lago (ponto extremo do concelho), por onde passava a Estrada da Jeira, elas dizem, sem pestanejar, que é pela Ponte do Porto. Isto significa que, a partir desta altura, século XII, a Estrada da Jeira, entre Braga e Paredes Secas, podendo passar pela variante de Caires, porque em Amares bifurca, faz-se pela Ponte do Porto. Mas, a partir de Paredes Secas e mesmo em todo o território do concelho de Terras de Bouro, ela coincide com a antiga Via Nova romana.
Como se vê pelos fatos históricos, onde é que aparece a freguesia de Caldelas?
Como toda a gente sabe, menos os políticos, foram estas grandes vias antigas que, a partir do século IX, foram transformadas em Caminhos de Santiago, sabendo nós que mesmo nesta transformação houve mudanças de trajeto. Basta pensarmos que a diferença entre um via romana e um Caminho de Santiago é a de que, enquanto aquela vence as montanhas com ligeiras subidas contínuas, contornando os montes, este corta a direito, por montes e vales, a festo.
Ainda, hoje, lá estão os sinais para toda a gente ler e ver: em Amares, a rua da Jeira; em Caires, o lugar da Jeira. Quem é que tem dúvidas? E mesmo na antiga Via Nova romana, como se explicam os miliários que existiram nas velhas igrejas de Barreiros, Carrazedo e Caires (ver documentos de 1758)? E o miliário, que está no adro da freguesia de Paredes Secas, encontrado mais acima, na ribeira da Pala?
Os políticos envolvidos nesta inauguração esqueceram que os peregrinos dos Caminhos de Santiago querem percorrer os Caminhos históricos, genuínos, fidedignos, verdadeiros, que os nossos antanhos percorreram e calcorrearam. Não se movem pelo negócio, pelo turismo, o único móbil apontado na notícia. É claro que os peregrinos agradecem, sempre, um bom acolhimento. E é este que implica o negócio e não o contrário.
Concluindo: é falso que a Estrada da Jeira, alguma vez, tivesse passado por Caldelas. Ainda bem que a História não é feita pelos políticos. Um escândalo!
Entre muitos outros, leia-se: o “MEMORIAL” do Marquês de Montebelo, de 1642 – D. Félix Machado da Silva e Castro; o “Thesouro de Braga descuberto no Campo de Gerez”, de 1718, de José de Mattos Ferreira; os “Milliários do Conventus Bracaraugustanus em Portugal”, de 1895, de Martins Capella».