A Igreja “irá para a luta” se “não houver outra hipótese” para impedir a legalização da eutanásia, assegura D. Jorge Ortiga. Recusa a realização de um referendo sobre esta questão que regressou à Assembleia da República pela mão do Bloco de Esquerda com o anuncio da apresentação de um novo projecto-de-lei.
O salário mínimo, a economia, as reformas e acção social da Igreja são outras das questões que o Arcebispo de Braga aborda em entrevista à Renascença/Ecclesia.
Sobre a eutanásia, D. Jorge Ortiga reafirma a posição que a igreja católica tem sobre a matéria.
“Tenho esperança de que a sociedade portuguesa tenha consciência dos seus valores e que seja capaz de defender a vida, como tantas vezes se vai dizendo que somos pela vida, e que a vida é vida de todos, inclusive dos que estão em situação às vezes terminal, que naturalmente precisam também de dignidade”, diz.
Questionado sobre a possibilidade de um referendo sobre a eutanásia, como alguns sectores da sociedade portuguesa defendem, Ortiga é categórico.
“A vida não é referendável. Isto é um princípio para mim e para a Igreja, não podemos estar a sujeitar a vida ao referendo”.
E adianta: “se não houver outra hipótese, pois com certeza que nessa altura teremos de ir para a luta, apelando naturalmente aos portugueses que tenham consciência daquilo que foi sempre a sua história”, mas, esclarece, “não numa campanha. A Igreja não se envolve na política. Agora nos valores, [em] tudo aquilo que está relacionado com a pessoa humana, a Igreja é a primeira que desde sempre ‘suja os seus pés’, digamos assim”.
“[A Igreja] tem de se envolver sempre e cada vez mais, não pode ter medo, não pode estar na expectativa, antes pelo contrário, no sentido de propor que efectivamente esse grande valor da vida seja defendido e não seja ultrajado”, sublinha.
A resposta à eutanásia passa, adianta, “por outras respostas sociais que deveriam ser intensificadas”, designadamente nos cuidados paliativos.
D. Jorge Ortiga reconhece que “é complicado” encontrar um lugar numa unidade de cuidados continuados ou paliativos “e esta é que devia ser a verdadeira resposta, aqui é que se devia gastar dinheiro, não gastar dinheiro na morte das pessoas, mas gastar dinheiro para que haja condições e as pessoas possam chegar ao fim da sua vida de uma maneira digna. Isto é que me parece que era importante”.
REFORMAS “INSIGNIFICANTES”
Sobre a situação social e económica do país, D, Jorge Ortiga afirma que “os índices em alguns aspectos são positivos”. Contudo, refere, “não podemos viver pura e simplesmente das estatísticas, porque ainda há muitas situações de pobreza que não podemos de maneira nenhuma ignorar”.
“Que a sociedade portuguesa está melhor, evidentemente que ninguém o nega, mas enquanto houver alguém que não tem o indispensável para viver, a Igreja não poderá tranquilizar-se e dizer que está tudo feito. E há sempre alguém, particularmente no interior. É necessário olhar para o interior”, afirma.”
“As estatísticas muitas vezes reflectem aquilo que acontece nas cidades ou nas vilas e esquecem o interior, onde existem poucas pessoas, normalmente pessoas de idade, que muitas vezes estão praticamente abandonadas, estão sozinhas, e que se não for a presença da Igreja não há mais nenhuma presença, de quem olhe para elas e lhes preste atenção. Portanto, há muitas situações e esta do interior é um problema que me aparece ainda bastante grave”, alerta.
“Olhando para o concreto, a habitação não é aquilo que deveria ser em muitas situações, a situação dos idosos também não – o dinheiro que recebem de reforma é verdadeiramente insignificante para responder às necessidades”, denuncia.
O Arcebispo de Braga admite que a acção social da Igreja “não é muito conhecida”. “Mas, é uma acção de grande valor e importância, de grande necessidade. Não são apenas os problemas que as instituições de solidariedade da Igreja enfrentam, mas a necessidade que têm de estar no meio desses problemas e de encontrar resposta. E de facto são muitos, por parte da juventude, por parte dos migrantes, hoje uma realidade nova”, diz.
SALÁRIO MÍNIMO “INSUFICIENTE”
A propósito do aumento do salário mínimo e dos valores propostos, quer pelo governo quer pelas centrais sindicais, D. Jorge Ortiga é cauteloso.
“O caminho para fazer com que as coisas possam evoluir e ser diferentes é uma coisa que efectivamente não me diz respeito. Agora, que gostaria de ver as pessoas com outra capacidade, sem dúvida nenhuma”, afirma.
O importante, frisa, “é dialogar”.
“É fundamental o diálogo entre todas as instituições para chegar a uma solução e a um consenso, na certeza de que o ordenado mínimo ainda é bastante, eu direi, insuficiente para que as pessoas possam viver tranquilamente com a dignidade a que têm direito”, conclui.