Artigo de Sara Diana Silva
Um dia, dei por mim, muito irritada, a corrigir o meu pai, dizendo-lhe, como se ele tivesse ofendido alguém: “Não lhe chames madrasta. Ela é uma ‘boadrasta’ e eu gosto muito dela.”
O substantivo “madrasta” consta do dicionário do diabo. Assemelha-se a um tabu, pois ninguém o quer usar e todos fingem não o conhecer. As crianças apelidam-nas “namoradas do pai”, mas não “madrasta”: ninguém se atreve a usar esse nome feio. A sua presença implica a ausência materna, seja por morte, abandono ou, até, pela dissolução da imagem de família idealizada, o que também dificulta o embelezamento do conceito de uma “substituta”. Quando é que elas se vão revoltar?
Existe uma inegável conotação negativa associada ao termo e prova disso é que, quando alguém diz “A vida foi muito madrasta para ele”, quer vincar o que está certo: a vida foi mesmo dura. Os dicionários da língua lusa explicam que este conceito, além de significar “mulher em relação aos filhos anteriores do companheiro”, pode também representar o adjetivo “cruel”.
Crueldade, porém, é o que nós fazemos com as madrastas, pobres coitadas. Os provérbios portugueses também não ficam atrás, quando dizem que “Sogra e madrasta, só o nome basta”. Alguns contos populares ensinam-nos que as madrastas são criaturas do mal e da maldade – A Branca de Neve quase viu o seu coração arrancado e A Gata Borralheira foi até escravizada. Destas histórias, o ensinamento mais certo é: fugir das madrastas a todo o custo.
No dia 3 de agosto de 2019, o jornal Expresso publicou uma notícia, afirmando que os “Portugueses são os europeus que mais se divorciam”, sendo esta a realidade para muitos jovens. As ideias pré-concebidas dos contos poderão dificultar uma relação saudável, pois os mais novos não se vão deixar iludir como a Gata Borralheira. É importante deixar trancada numa gaveta, a sete chaves, a ideia “quadrada” de que a madrasta tem a única função de substituir a mãe. Seria mais fácil se os enteados as incluíssem na sua lista de amigos. Na verdade, não nos podemos esquecer ainda de que a própria madrasta dos contos de fadas pode ter tido a sua própria madrasta cruel e apenas precisaria da ajuda de um bom psicólogo. Ninguém se lembrará disto, mas convém ensinar às crianças e aos jovens a ajudar o outro, em vez de o recriminar cegamente.
Se caracterizassem num conto a morte da madrasta bondosa como algo desolador e lamentável, em que o pai está triste e a casa num silêncio perturbador, talvez se aprendesse que as madrastas também fazem falta. Será que se quer incutir a ideia de que a mulher digna, viúva, não pode ter outro homem além do ex-marido, sendo logo rotulada de mulher de (má) vida?
A realidade presente é a que mais me importa agora: ver, no nosso sofá, o meu pai, em paz serena, nos braços da minha madrasta, não podendo eu estar mais feliz por sentir que ele também está realmente bem.