Opinião de Hélder Araújo Neto, psicólogo
Um dos objetivos que tenho quando escrevo estes artigos, aqui no “O Amarense”, é trazer temas, que considero importantes, e que estão, de alguma forma, ligados à saúde mental. Ao escrevê-los intento colocar cada tema debaixo do foco do leitor, sob a sua atenção, como quando, por exemplo, compramos um carro. Tornamo-nos, a partir de então, atentos a todos os carros iguais ao nosso. O mesmo se passa na gravidez de uma qualquer mulher, atenta a todas às outras grávidas. Ora, o artigo deste mês discorre sobre a procrastinação. A sua definição pode passar por um atraso desnecessário, e irracional, na execução de uma tarefa ou tomada de decisão, acompanhado de desconforto psicológico e emotivo, experimentando emoções como a culpa e a insatisfação. De certo modo, fui congruente com o tema porque estou a escrevê-lo no último dia do prazo de entrega do artigo ao jornal, experimentando no preciso momento da escrita desconforto psicológico, uma vez que já deveria ter terminado esta tarefa, obrigando-me a uma tarefa executada sob pressão desnecessária.
A procrastinação está intimamente ligada à saúde mental. Não é apenas falta de tempo mas, sim, dificuldade em administrar as emoções. Ela está relacionada com medos irracionais do fracasso, centrados na autocrítica e na insegurança sobre as nossas capacidades. As causas podem ser várias: considerar a tarefa aversiva; facetas da personalidade como baixo autocontrolo e organização; baixa tolerância à frustração e elevada distratibilidade. Além disso, a procrastinação pode ter relação com estilos parentais rígidos, controladores, na medida em que as expectativas elevadas e críticas dos pais têm sido associadas a uma forma de perfecionismo que está correlacionado com a procrastinação.
O procrastinador costuma a usar o seu comportamento, de adiamento, como uma estratégia de enfrentamento para lidar com tarefas que considera aversivas. Este comportamento é relativamente difícil de ser modificado porque fornece conforto imediato num mundo cheio de exigências, incertezas e responsabilidades. No entanto, este alívio – este bem-estar – só tem efeito no curto prazo, ocorrendo porque, no longo prazo, ao atrasar as atividades e ao não conseguir atender todas as exigências e compromissos, o indivíduo começa a sentir-se mal, angustiado, sem energia e sobrecarregado, sentindo frustração, incapacidade e insegurança. Estes sentimentos, por sua vez, podem provocar stress e ansiedade, ocasionando quadros de depressão e outras doenças.
A título de curiosidade, ficam três exemplos de procrastinadores famosos. Um deles, Frank Lloyd Wright, arquiteto, concluiu os desenhos da sua obra mais famosa (Fallingwater House) duas horas antes de terminar o prazo. Outro famoso procrastinador, W.A. Mozart, compositor, escreveu as últimas notas da abertura da sua ópera (Don Giovanni), no dia da estreia, sem possibilidade de ser ensaiada. Por fim, Victor Hugo, escritor, entregou a sua obra (O corcunda de Notre Dame) em cima do prazo. Nunca saberemos se por causa dos comportamentos de procrastinação, estes – e outros – génios, não terão deixado de fazer mais obras-primas.
Para terminar, quero deixar aqui uma nota de esperança: caso o leitor se identifique com o comportamento procrastinatório, a terapia cognitivo-comportamental é considerada bastante eficaz na modificação deste comportamento. Portanto, se considera ter o seu funcionamento afetado pela procrastinação e, por consequência, tem experimentado sofrimento, procure ajuda porque ela existe.