As comemorações dos 51 anos da revolução de 25 de abril de 1974, realizadas esta sexta-feira, em Amares, cingiram-se à uma homenagem aos antigos combatentes e às intervenções protocolares, que, mais do que evocar o passado, colocaram o enfoque no presente e no futuro, apelando à participação dos jovens e a um compromisso coletivo que permita fortalecer a democracia.
Sem os habituais momentos que costumam fazer parte deste dia, cancelados devido ao luto nacional pela morte do Papa Francisco, as comemorações abriram com a colocação de uma coroa de flores no Monumento aos Combatentes, no Largo do Município, seguindo depois com uma sessão especial da Assembleia Municipal.
A abrir, uma aluna do Agrupamento de Escolas de Amares, Leonor Fortunato, leu um discurso evocativo da data, muito centrado nos jovens, que “não podem ser apenas meros espectadores”, mas devem ajudar a “fazer a diferença” no desenvolvimento do concelho e do país. “Acreditamos que tudo nos é garantido. Mas será mesmo?”, questionou.
Já dentro dos discursos partidários, Alexandra Teixeira, do PS, lembrou a existência de um sistema político “tantas vezes bloqueado pela burocracia” e “corroído pela promiscuidade”, no qual é “imperioso dizer a verdade”, porque “a liberdade exige coragem e sacrifício”. Por isso, sublinhou, é na juventude que “reside a força de renovar abril”.
Alexandra Teixeira vincou a importância de “não falar apenas de história, mas de futuro, de oportunidades, porque a liberdade sem oportunidades é um campo por semear”. “Cabe a todos, sobretudo aos governantes, garantir essas condições”, enfatizou. Para a representante socialista, “a liberdade não é apenas um direito, mas também uma grande responsabilidade”.
“Um país onde o povo e a juventude não acreditem no futuro é um país que não cumpriu abril”, frisou.
Na mesma tónica, o representante da coligação Juntos por Amares (PSD/CDS-PP), Martinho Braga, disse que este é um dia de “memórias, celebração e compromisso com os valores de abril”, defendendo também a necessidade de “não haver medo e haver coragem” para “construir um futuro em que ninguém fique para trás”.
Lembrou os discursos feitos de “palavras fáceis e inflamadas”, nos quais a “verdade é atropelada” e que abrem “caminhos perigosos” que põem em causa as conquistas feitas. “A liberdade não se perde de um dia para o outro, esvazia-se lentamente, quase sem darmos conta”, afirmou.
A cada cidadão, “cabe proteger e fortalecer os pilares da democracia”, porque a “liberdade constrói-se todos os dias”. Martinho Braga apelou, por isso, a que seja “incentivado o pensamento crítico” e a participação na vida pública, recusando “atalhos fáceis que prometem muito mas entregam pouco”.
“EM POBREZA NÃO HÁ LIBERDADE”
Naquele que foi o seu último discurso do 25 de abril enquanto presidente da Câmara de Amares, Manuel Moreira lembrou o trabalho feito desde que tomou posse, em 2013, garantindo que tentou promover a “coesão territorial mas também a coesão social” do concelho.
“Tudo fiz para honrar o lugar que me foi confiado ao serviço do poder local. Naturalmente, nenhum decisor está isento de críticas. Também errei. No entanto, uma coisa reafirmo: decidi sempre pelo que acreditei ser o melhor para as pessoas e para o nosso concelho”, assegurou.
O autarca vincou que a “prioridade foram sempre as pessoas e as suas condições de vida”. “Sem condições básicas de vida não há liberdade. Em pobreza não há liberdade. A liberdade faz se e constrói-se na justiça social, na criação de condições de igualdade de oportunidades. Esses são princípios fundamentais da política democrática”, acentuou Manuel Moreira, para quem “o poder local é uma das maiores conquistas do 25 de abril de 1974”.
“É o empenho constante de todos e todas que vai permitir que continuemos a caminhar em liberdade. Com tolerância, na promoção da igualdade entre homens e mulheres, no respeito pelas diferenças, na justiça social e diálogo intercultural, lutando pela integração de todos”, concluiu.
AS AMEAÇAS À DEMOCRACIA
A fechar a sessão, o presidente da Assembleia Municipal de Amares, João Januário Barros, apontou a revolução de 1974 como o “acontecimento que redefiniu o percurso histórico de Portugal” e centrou a reflexão nas “portas que abril abriu e as que fechou”.
“Abril abriu portas para a liberdade, para a democracia, para a equidade, para o desenvolvimento social e para a justiça. Fechou as de uma ditadura autoritária, assente numa narrativa contra o sistema pluripartidário, na figura do homem forte, o suposto salvador capaz de pôr tudo na ordem através do poder unipessoal. Abril fechou as portas que nunca mais devemos reabrir”, apontou.
No entanto, segundo João Januário Barros, atualmente “ecoam exemplos preocupantes dessas narrativas”. “Vozes levantam-se, reminiscentes de um passado que pensávamos ter deixado para trás. As narrativas permanecem as mesmas, ainda que disfarçadas sob uma falsa modernidade. Autênticos engodos que surgem com moralismos salvacionistas que, sob o pretexto de ceifar a corrupção, tendem a reduzir os adversários políticos”, alertou.
O presidente da Assembleia Municipal de Amares vincou que “este não é o caminho da democracia”, sendo antes o “caminho do ataque aos pilares democráticos erguidos há 51 anos pela revolução”. “Enquanto cidadãos e agentes políticos, não podemos nem devemos ficar à margem. Não podemos permitir que o medo e a divisão nos paralisem e fragmentem. Porque a questão não se resume a esquerda ou direita, mas sim ao que é certo ou errado”, defendeu.
João Januário Barros disse que se assiste a uma “crescente judicialização seletiva da política, bem como a uma fragilização dos pactos políticos que eram a base do Estado democrático de direito e ao patente esvaziamento da presunção de inocência”, que se assumem como “contributos preocupantes que se tornam um perigo para a democracia, minando a confiança na representação política”.
Durante a sessão solene foi guardado um minuto de silêncio em memória do Papa Francisco.