Por Marco Alves
“Penso, logo existo”, porém, a tradução mais literal seria “penso, logo sou”. O pensamento de Descartes surgiu da dúvida absoluta. O filósofo francês queria chegar ao conhecimento absoluto e, para tal, era preciso duvidar de tudo o que já estava posto. A única coisa que ele não podia duvidar era da própria dúvida e, consequentemente, do seu pensamento. Assim surgiu a máxima do “penso, logo existo”. Se eu duvido de tudo, o meu pensamento existe e, se ele existe, eu também existo.
Nos anos 1970 aconteceram muitas coisas, mas a política acabou por se sobrepor a tudo e é natural, porque tivemos uma ditadura de 40 anos. No início da década de 1980 havia 18,6% de analfabetos, um défice orçamental de 800 M€, uma taxa de desemprego a trepar aos poucos e uma inflação que atingiu os 22,4% em 1983, quando chegou um novo resgaste do FMI. A década começou mal, mas foi uma rampa ascendente, sobretudo quando Portugal se viu finalmente na CEE, em 1986.
Começaram a entrar os fundos e o dinheiro tornou-se um valor muito forte, o que é um contraste absoluto com os anos 1970, que era ideologia. Com o dinheiro e estabilidade chega uma nova ordem: o consumo. Nos loucos anos 1980, espalharam-se e erguerem-se obras megalómanas, por diversos municípios do território nacional. Muitas das obras foram essenciais e fundamentais para o desenvolvimento, sendo grande parte para infraestruturas. Outras obras eram simplesmente de ordem estética.
Quase 40 anos depois desse “boom”, foram poucos os concelhos no interior que continuaram a brilhar para a continuidade no desenvolvimento do território. Não faço o uso da expressão de Descartes, utilizo sim outra expressão alterada: “Se discordo, ofendo.” Olhando para dentro do nosso concelho de Amares, podemos conferir que o município estagnou no tempo há uns bons anos. Os edifícios municipais estão degradados, as empesas municipais com gestão deficiente, o ambiente urbanístico completamente descolorido, resumindo-se numa cor: cinzento. Não me venham dizer que Amares está a evoluir, porque não está. No entanto, não estou a ofender ninguém, mas os fundos continuam a entrar no país, só que agora de forma estruturada.
Amares das planícies e dos montes,
Rainha entre dois rios coroada,
Quem te trocou por outros horizontes
A ti torno sem já querer mais nada.
Solares há em ti e velhas pontes,
A bela vendedeira ao pé da estrada,
O rústico empedrado junto às fontes,
As frescas da Abadia ou na Tapada.
Tens vinhas e pomares, microclima,
Num jeito de jardim com Deus por cima
Tecendo sobre ti a Sua franja.
Tens gomos que são lábios de menina
Antando duplamente a casca fina
Pois, sendo terra verde, és da laranja.