O estado de emergência, no decurso da pandemia de covid-19, baixou salários de jornalistas e aumentou as suas preocupações com o rigor da informação e mudou as rotinas de trabalho, revelam as conclusões preliminares de um inquérito que contou com investigadores da Universidade do Minho.
Dos cerca de 900 jornalistas que responderam ao inquérito, de 6.788 inquiridos para o estudo ‘Os efeitos da declaração do estado de emergência no jornalismo’, mais de metade (56,7%) considerou haver questões importantes levantadas pela declaração do estado de emergência quanto à cobertura do jornalismo e quanto a normas do código deontológico.
Esta percentagem aumenta para 65% no caso de jornalistas com menos tempo de profissão e estagiários, e para 80% dos inquiridos o rigor da informação ética e deontológica é o “mais sensível” nessas questões.
O estudo, cujos dados preliminares foram divulgados esta terça-feira, revela ainda que 23% dos inquiridos viram o salário bruto alterado durante o estado de emergência, aumentando a percentagem para 33% se se juntar o agregado familiar.
Mais de 15% dos inquiridos disseram que a situação laboral se alterou, durante o estado de emergência, e 11,1% sofreram o lay-off, mas o coordenador do estudo promovido pelas universidades de Coimbra, de Lisboa e do Minho, Carlos Camponez, numa conferência online organizada esta terça-feira pela agência Lusa, sobre o futuro do jornalismo em tele-trabalho, salientou que 74% recebiam menos de mil euros e apenas 10% mais de 1.500 euros.
Sobre a profissão, o estudo revela que as expectativas baixaram porque aumentou a percepção sobre a probabilidade de perder o emprego a curto prazo, baixou a percepção sobre a probabilidade de encontrar um novo emprego no jornalismo, se estivesse desempregado, e aumentou o número de jornalistas que considera mais provável deixar de exercer a profissão.
O estudo revela que, durante o estado de emergência, aumentou para 59% a percentagem de jornalistas a trabalhar no domicilio, e para 68,9% quando se junta os que já antes trabalhavam fora das redacções.
Quanto aos temas cobertos pelos jornalistas, 35,3% disseram que a pandemia ocupou 75% do seu trabalho, e mais de 91% dos inquiridos disse ter realizado trabalhos sobre a covid-19, admitindo ainda sair menos em reportagem (aumentou de 10% para 30%).
A directora de informação da agência Lusa, Luísa Meireles, defendeu a importância do trabalho dos jornalistas num espaço colectivo como a redacção e a necessidade de existir essa ligação, mas admitiu não ver inconveniente em alternar o trabalho no domicilio com a redacção.
“O tele-trabalho por obrigação é uma questão. Outra é o tele-trabalho que pode ser uma solução de recurso, e isso é sempre possível. Acho que poderá haver no futuro (…) por turnos”, afirmou naquele encontro online, organizado em parceria com a CCPJ – Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas.
O provedor do telespectador, Jorge Wemans, defendeu que o jornalismo que foi para tele-trabalho já estava em crise e alertou acerca da necessidade de se reflectir sobre a situação da profissão antes do confinamento.
“O público não se apercebeu logo que o jornalismo estava confinado”, afirmou Jorge Wemans, defendendo que os jornalistas, pelo menos inicialmente, não mostraram o confinamento e “esconderam” haver menos jornalismo na rua e menos contactos com as fontes.
Jorge Wemans criticou ainda o que se chamou de “confinamento da agenda” dos jornalistas, que dedicaram a maioria do tempo a matérias relacionadas com a pandemia, prejudicando a cobertura de outros assuntos do interesse do público.
O jornalista do Público Alexandre Barata defendeu que os jornalistas em Portugal não têm “ajudado” a criar uma cultura de relacionamento com as fontes.
“Escrevo sobre política nos Estados Unidos. É muito raro não ter logo uma resposta, e não existe essa cultura em Portugal, o que prejudica o jornalismo, especialmente o dos [jornalistas] mais novos”, defendeu, considerando haver responsabilidade dos jornalistas nacionais porque não explicam aos leitores a razão de não terem obtido certa informação, “matando o assunto”, informando apenas que “contactado não quis comentar”, e defendendo a necessidade de uma cultura de entendimento.
“Não é especifico da pandemia, mas agrava-se nesta situação, ou é mais evidente. Mas não podemos dizer que tem corrido tudo muito bem. E não podemos atribuir tudo à pandemia”, salientou, defendendo que o tele-trabalho “é quase a negação do jornalismo” e que estar na redacção é “fundamental”, mas também é preciso tempo e disponibilidade.