Opinião de Hélder Araújo Neto
Psicólogo
A inspiração para este artigo surgiu no dia 14 de fevereiro, dia dos namorados, por via da associação que comummente se produz entre o coração e o amor. No entanto, pensei, se há órgão, verdadeiramente, representativo do amor, esse órgão deveria ser o intestino, o tal que se torna responsável pelas famigeradas «borboletas na barriga». Claro que, esteticamente, seria pouco adequado, porquanto que nos colocaríamos a imaginar os escaparates festivos, das lojas, decorados com intestinos, em lugar de corações, ou, então, um «amo-te Paula», tatuado num viril e apaixonado antebraço, com a imagem de um intestino no lugar do clássico coração perfurado por uma seta. Ora, comecei pelo exemplo do amor, considerando que é uma exemplar forma de começar, seja o que for. Assim, embora o coração também se manifeste, com o aumento da frequência cardíaca, é na barriga (no intestino) que acontecem as maiores alterações.
Na verdade, o amor (a paixão) está em minoria, no que concerne às manifestações intestinais, não sendo, efectivamente, tão entusiasmantes, sendo, por oposição, na sua maior parte, algo perniciosas. No livro “Assim Falava Zaratustra”, de Nietzsche, o sábio – que Zaratustra foi ouvir, nos discursos “Das cátedras da virtude” – dizia assim: «Dez vezes ao dia precisas rir e estar alegre, se não incomodar-te-á, de noite, o intestino, esse pai da aflição». Apoderei-me desta passagem (para não ir mais atrás na história, nomeadamente aos orientais, ficando para as vossas pesquisas, se as quiserdes fazer), para ilustrar que, desde sempre, se sabe que as emoções se manifestam no intestino – para além da, já, referida paixão -,tal como a ansiedade, a depressão, o medo, o próprio nojo, emoções básicas que se manifestam no “Gut”. Mas, então porquê? Qual a explicação? Porque é que o intestino é o nosso segundo cérebro? Responderei, com as limitações habituais de espaço, usando a ciência.
O intestino é diferente de qualquer outro órgão do corpo. O nosso intestino pode funcionar sozinho porque tem autonomia para “tomar decisões” sozinho, não precisando que o cérebro lhe “transmita” o que fazer. No entanto, o intestino “procede” a regulares comunicações com o cérebro, através da existente rede neuronal, comunicante, suportada numa larga base de neurotransmissores, que circulam no sentido do cérebro para o intestino e vice-versa, recorrendo ao nervo Vago, sendo que a maior parte das referidas comunicações processam-se no sentido intestino – cérebro. Ora, o Sistema Nervoso Entérico (assim mesmo designado) é composto por milhões de células, divergindo a teoria aventada no número concreto, conquanto que, desses milhões, cerca de quinhentos milhões são neurónios. Desta forma, podemos perceber que os neurónios não existem, apenas, no cérebro.
A frieza e concretude dos números permite a observância da importância do tema. Assim, setenta por cento das células, do nosso sistema imunológico, vivem no intestino. Mais de noventa por cento da serotonina é, também, produzida no mesmo intestino. Esta serotonina compõe-se como um neurotransmissor que “age”, no âmbito de diversas funções, no organismo, regulando o humor, o sono, o apetite, o ritmo cardíaco, a temperatura corporal, bem como as funções cognitivas. Deste modo, quando os níveis de serotonina se encontram num reduzido número de concentração no organismo – devido, de igual forma, a alterações intestinais -, o resultado redundará em condições de mau humor, insónias, ansiedades e, fundamentalmente, em estados de depressão. Este último parágrafo é importantíssimo e de reflexão obrigatória.
Para finalizar, partilho alguns caminhos possíveis para melhorar a respetiva saúde intestinal: respeitar uma dieta variada, com vista a diversificar o microbioma intestinal; tentar reduzir os níveis de “stress”, fazendo meditação, relaxamento, “mindfulness” (atenção plena) ou ioga; em última instância, ainda que, sempre, relevante, não obstante o acompanhamento das restantes, terapia. Se, eventualmente, se identificarem sintomas problemáticos intestinais, torna-se imperioso evitar o consumo de álcool, de cafeína e de comidas picantes, podendo estes consumos conduzir ao agravamento das condições de saúde. É impreterível que se durma bem, procedendo-se à higienização do sono. A alteração do relógio biológico, e do ritmo circadiano, pode, de igual modo prejudicar o bem-estar do intestino, devido às respetivas alterações dos padrões do sono.