OPINIÃO

OPINIÃO -
O medo

Share on facebook
Share on twitter

TÓPICOS

Share on facebook
Share on twitter

TÓPICOS

Opinião de Hélder Neto, Psicólogo

 

No último artigo tentei desmistificar a ideia de que existem emoções boas e más, instigando o leitor a percebê-las todas como úteis e importantes. Descrevi as seis emoções, comummente consideradas universais, quanto à sua função e utilidade, mas de uma forma sucinta, por isso pretendo, nesta crónica, e nas próximas, descrever cada uma de uma forma mais extensa. Volto, desta forma, à temática das emoções por ser, na minha opinião, assunto extenso e importante. Posto isto, versarei, desta vez, sobre o medo. 

O nosso cérebro tem muitos milhares de anos de evolução, sendo a maior parte desse tempo dedicado à programação de uma vivência do ser humano imersa num ambiente no qual se verificavam constantes ameaças à sobrevivência da espécie, ameaças essas relacionadas com as temperaturas extremas, infeções, predadores, escassez de alimentos, entre outras. Essa evolução dotou-nos de um leque de emoções que permanecem até hoje, por via de nos garantirem mais hipóteses de sobrevivência. Entre essas emoções está o medo, uma emoção que nos prepara para lutar ou fugir sempre que nos sentimos ameaçados. Em termos de sobrevivência da nossa espécie, esta emoção tem vantagens indiscutíveis. Quem tivesse medo e se preocupasse com os barulhos na floresta, ou em ter alimentos suficientes para passar o inverno, teria muito mais hipóteses de sobreviver do que quem estivesse despreocupadamente a apreciar a paisagem ou a relaxar junto de um riacho. Somos herdeiros desses nossos ancestrais carregados de medos. 

Como já foi referido, esses medos foram necessários à nossa sobrevivência, conquanto que, esses comportamentos fossem sendo ajustados na medida certa, sempre em prol da continuidade da nossa espécie. Assim, um comportamento demasiado prolongado de fuga ou evitamento colocar-nos-ia numa situação de desvantagem, visto que o sucesso da preservação da espécie exige reprodução que, por sua vez, dependeria de atividades de alimentação, abrigo e acasalamento, ações estas incompatíveis com a fuga e evitamento. Este tipo de comportamento – fuga e evitamento de situações potencialmente ameaçadoras – é observado, atualmente, em psicopatologias, tais como a perturbação de ansiedade social. Felizmente, existem tratamentos para essas perturbações, proporcionando, por conseguinte, a contribuição para a perpetuação da humanidade, tal como homologamente, teria ocorrido, potencialmente no tempo dos nossos ancestrais das cavernas. 

Nos últimos anos, em termos evolutivos, demos um salto. As emoções poderão estar ligeiramente desajustadas com as necessidades ambientais. Neste sentido, quando passamos em frente a uma confeitaria, e olhamos uma bola-de-berlim, as nossas emoções, bem assim como o nosso instinto, dizem-nos para comê-la. Todo aquele açúcar remete para ganhos de energia, sendo essa energia essencial para fugirmos de um tigre dentes-de-sabre, quando necessário. O problema, nos dias de hoje, é que não fugimos de tigres. 

Todavia, esta emoção, que nos ajudou a sobreviver como espécie, é poderosa e está tão arreigada em nós que é utilizada para nos instrumentalizar. Podemos observar essa instrumentalização em vários aspetos da nossa vida quotidiana como, por exemplo, quando somos exaustivamente submetidos, pelos media, a notícias sobre guerras, sobre vírus, sobre vulcões, sobre a seca, e sobre tantas outras tragédias. Este fomentar dos nossos medos mais profundos, como se estivéssemos em perigo constante, serve para dar lucros aos media, através de audiências, e serve, também, interesses mais obscuros, como a indústria de armamento ou a indústria farmacêutica, para só citar estes. Um último exemplo da utilização do medo manipulador está nos políticos que o usam para ganharem votos, no caso das democracias, ou para controlarem as populações, no caso das ditaduras. 

Sinto sempre que, quando estou a querer aprofundar os temas que aqui escrevo, o espaço se evapora. Assumo, com naturalidade, que muito mais poderia ser escrito. Parece-me, no entanto, que o essencial se encontra devidamente explanado. Sigo para o próximo artigo, para a próxima emoção. Sigo para a tristeza.

Share on facebook
Partilhe este artigo no Facebook
Share on twitter
Twitter
COMENTÁRIOS
OUTRAS NOTÍCIAS