Por Hélder Araújo Neto
Psicólogo
Neste artigo debruçar-me-ei sobre o pensamento, a matéria-prima do meu trabalho como psicólogo. É na mudança da forma de pensar que incide a maior parte das minhas intervenções, uma vez que aquilo que pensamos influencia o que sentimos, e por consequência, o nosso comportamento. Mas, afinal, o que é o pensamento?
Esta pergunta despoletaria uma infinidade de teses, mas como este é um texto que tem limitações de espaço, e de forma, característicos de um artigo de jornal, e que me obrigam a ser sucinto, tentarei versar sobre o tema de modo a conseguir transmitir o conteúdo que pretendo, respondendo à questão enunciada. Procurarei, também, suscitar a curiosidade, para que o caro leitor faça a sua própria pesquisa, e descubra o quão interessante e útil (pelo menos da minha perspetiva) é esta temática.
Os pensamentos são apenas palavras com significado; linguagem, na verdade. São eventos mentais que são produzidos incessantemente. Tal como o coração está sempre a bater, a mente está sempre a gerar pensamentos. Estes têm uma incumbência; afinal, como espécie humana chegámos onde estamos devido à habilidade que temos de, entre outras razões, classificarmos, explicarmos, prevermos, preocuparmos, compararmos e julgarmos o mundo, bem como o ambiente que nos rodeia. Proteção e adaptação parecem ser, portanto, as funções do pensamento.
Mesmo aqueles com conteúdo associado a sofrimento, e que gostaríamos de os não ter, possuem utilidade. Porém, como os vivemos intensamente, fundidos com eles, aqueles pensamentos que são desagradáveis, ou aversivos, tendem a ser vistos por nós como “inimigos”. E para lidar com esses “inimigos”, parece haver apenas duas opções: entregarmo-nos ao que eles dizem, e concordarmos fielmente com eles (se pensamos “eu sou um fracasso”, então nós somos mesmo um fracasso), ou fazermos de tudo para não os ter (tentarmos modificá-los, desviá-los ou não pensarmos neles). Por mais estranho que possa parecer, não há nada de errado com os nossos pensamentos. Tentarmos controlar, modificar ou não ter pensamentos significa que parte do que acontece connosco não é válido, estaremos a negar uma parte de nós.
O que tento trabalhar com os meus pacientes é o treino do distanciamento, da desfusão dos pensamentos, tentando que aqueles os aceitem e os percebam como, de facto, são: linguagem com significado. Sendo linguagem, uma das técnicas que uso é descontextualizá-la. Por exemplo: se cantarmos o pensamento “a minha vida não presta” como se fosse um “parabéns a você”, um dos resultados que se podem obter é que as emoções mudam quando as mesmas palavras são colocadas num outro contexto (neste caso, música).
A ideia é mostrarmos que o sofrimento, que está associado às palavras do pensamento, perde a função quando as mesmas palavras são colocadas num outro contexto. Também é possível treinar-se esse distanciamento do pensamento através da diferença entre “Sou um fracasso” e “noto que estou a ter o pensamento de que sou um fracasso”. Ou ainda tentar imaginar-se na margem de um riacho, com folhas à superfície da água seguindo o seu curso, e que cada folha signifique o pensamento ou emoção que esteja associado ao sofrimento, e deixando-as fluir.
O pensamento em si não diz o que somos, fazemos ou fizemos. Os pensamentos não são ordens que devamos seguir sem serem questionadas. Termino, como habitualmente, com uma nota de esperança. Nós, psicólogos, possuímos muitas técnicas que podemos utilizar para ajudar a diminuir o sofrimento associado aos pensamentos. A ajuda existe.