Por Ana Rodrigues
Enfermeira no Hospital de Braga
Cuidar em tempos de pandemia talvez tenha sido a experiência mais desafiadora e inquietante.
O conhecimento e a capacidade técnica, num instante, pareceram ínfimos. Estávamos perante algo nunca antes vivenciado e que exigia uma intervenção rápida e eficaz.
Quando surgiram os primeiros casos de Covid-19 em Portugal, estava a exercer funções na área que sempre trabalhei, acostumada às rotinas e patologias que lhe são inerentes. Na altura não imaginava que o cenário fosse outro e tão próximo. No entanto, com o aumento acentuado do número de casos, a unidade hospitalar teve que reorganizar-se e tomar um conjunto de decisões.
Recordo-me, com perfeita nitidez, do turno em que vi o meu serviço a ficar vazio. Nesse mesmo dia, soube que a minha equipa tinha sido escolhida para estar na linha da frente. Senti muito medo, pelo desconhecido, pelo que implicaria na minha vida pessoal e dinâmica familiar.
O espírito de entreajuda, a união da minha equipa e o apoio incondicional da chefia foram essenciais. Durante aqueles meses fomos o colo uns dos outros e aproveitávamos os segundos antes de entrarmos, já fardados, para mais um abraço apertado, de coragem para o que nos esperava dentro do serviço.
O primeiro turno foi o mais marcante. A minha imaginação tinha desenhado diferentes cenários mas nenhum se assemelhou à realidade que encontrei. Lembro-me de um doente que não conseguia comunicar verbalmente devido à sua condição clínica e que no papel onde eu registava os sinais vitais escreveu “quero morrer”.
Naquele momento, para além do suor que escorria dentro da farda, senti um aperto enorme no peito. Senti-me vulnerável e questionei as minhas próprias capacidades. No entanto, aguentei essas doze horas e todos os turnos seguintes.
O afastamento dos doentes das suas famílias foi outro desafio. As constantes chamadas dos familiares, o medo de nunca mais verem fisicamente o doente, a partilha de medos e de tantas inquietações transformaram a nossa prática.
Pensava sempre que podia ser um dos meus e, por isso, procurava sempre tranquilizar aquela voz trémula do outro lado da linha. Muitas vezes sabíamos que aquele momento de videochamada podia ser o último para aquela família e não tinha como conter a minha emoção.
Hoje a batalha continua. Passaram alguns meses, a vacinação veio trazer luz para o nosso caminho. No entanto, tenho a plena consciência de que não serei mais a mesma pessoa.