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OPINIÃO -
O Vício

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Opinião de Hélder Araújo Neto, Psicólogo

 

Escrevo este texto no Dia Mundial da Poesia e, com esse estímulo, como não podia deixar de ser, socorro-me de um poeta, o melhor de todos (da minha perspetiva, como é óbvio), para começar a ilustrar o que pretendo transmitir. Utilizo partes do “Opiário”, poema de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, para tentar, de alguma forma, descrever o vício, tema desta crónica.

É antes do ópio que a minh’alma é doente…Por isso eu tomo ópio. É um remédio. Sou um convalescente do Momento. Moro no rés-do-chão do pensamento. E ver passar a Vida faz-me tédio.”

O vício, ou adição, como também se pode designar, é uma perturbação que normalmente tem um curso progressivo que, com a sua evolução, afeta o nosso funcionamento, a vários níveis, e que pode conduzir a complicações graves e, por vezes, letais. A Organização Mundial de Saúde enquadrou o vício como uma doença física e psicológica, passível de tratamento.

O que caracteriza uma pessoa como dependente é a perda do controlo sobre o uso de substâncias ou sobre determinados comportamentos. Existem diferentes tipos de adições, sendo as mais comuns as adições às substâncias – legais ou ilegais –, ao jogo (basta vermos a quantidade de pessoas que jogam raspadinhas), ao álcool ou ao tabaco. Mas também é possível, por exemplo, ter uma adição ao trabalho, à comida, ao sexo, ao exercício físico, à internet ou às compras. Estes comportamentos, e substâncias, partilham vias neuro bioquímicas comuns, elevando os níveis de dopamina no Núcleo Accumbens, o centro do prazer do cérebro. O que parece explicar o facto de todas elas poderem ser fontes vício é a ativação, no cérebro, do circuito de recompensa, gerando sensação de prazer. E quem não gosta de prazer? Essa é a armadilha. Uma forma de atingir prazer, que acaba por gerar dor.

Qualquer pessoa está vulnerável à aquisição de um vício. No entanto, algumas situações ou eventos específicos, na vida de uma pessoa, podem desencadear, potenciar, ou acelerar esse processo. Embora a teoria divirja, deixo alguns exemplos: vivenciar um trauma, passar por eventos stressantes na idade adulta, ou uma maior exposição a substância viciante pode proporcionar maior vulnerabilidade, levando a que as pessoas sucumbam num vício.

As adições não têm a ver com falta de moral ou de carácter. Não se resolvem apenas com “força de vontade”. Abandonar um vício leva a muitos dos sintomas de abstinência como: ansiedade, depressão, insónia, irritabilidade e mudanças de humor. Não é fácil ultrapassar uma adição, ainda que seja possível. Seja qual for a adição, existem intervenções eficazes. Se achar que tem uma adição ou conhece alguém que a tem, procure, ou sugira, ajuda. Em última instância, as pessoas são viciadas no escapismo, querendo fugir de si mesmas, das partes de que não gostam em si. Na terapia “aprendem” a tolerar sentimentos desconfortáveis. Em vez de rejeitarem estas partes de si mesmos, percebem que os seus sentimentos são legítimos, de facto, sendo mesmo aspetos muito importantes de quem elas são.

Comecei com um poeta, e termino com outro, para tentar resumir o que deixo exposto. Baudelaire reconhecia a capacidade que as substâncias psicoativas que utilizava – como o vinho, o ópio e o haxixe – tinham para “transformar os homens em deuses antes de lançá-los ao inferno do vício”.

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